terça-feira, 27 de maio de 2014

“A História nunca acaba em ponto final”, resume Chico Otávio

A quarta mesa de debates do Controversas trouxe o repórter do Globo e os jornalistas Antero Luiz Martins Cunha e Juliana Dal Piva para falar sobre reportagens que abalaram os anos de chumbo

Por Gustavo Cunha

”O jornalismo é um trabalho calcado fundamentalmente em perseguir pessoas”, sentencia Antero Luiz Martins Cunha que, logo em seguida, emenda, corrigindo-se: “No bom sentido, é claro”. Ao lado dos repórteres Chico Otávio e Juliana Dal Piva, o jornalista relatou como fez uma das reportagens que abalaram a ditadura em 1981, sobre o atentado no Riocentro. O debate aconteceu na quarta mesa do Controversas, na UFF, em 20 de maio.

Chico Otávio: "Ainda é preciso descobrir
muita coisa" | Foto: Ana Clara Campos
“É papel do jornalista conferir se as múltiplas versões são compatíveis, duvidando sempre da informação oficial. Mas não podemos nos confundir com um policial”, opinou Antero Luiz, ganhador de um Prêmio Esso com a reportagem publicada à época no Estado de São Paulo. Presente no dia do atentado, o jornalista contou que, por falta de cuidado da perícia, conseguiu recolher a porta do carro onde os militares explodiram a bomba.

Antero Luiz: "culhões" em capa do
Estadão  | Foto: Ana Clara Campos
“Sou o responsável pela primeira vez em que os culhões de alguém saíram na primeira página do Estadão”, disse, num misto de humor e orgulho. “O laudo da perícia comprovava tudo o que os militares insistiam em negar: a genitália masculina do sargento morto estava dilacerada. Aquela era a prova de que a bomba havia estouradono colo dele”.

No embalo do relato de Antero, a mediadora da mesa Ana Baum, professora do Departamento de Comunicação da UFF, lembrou do período em que trabalhava como estagiária na extinta rádio JB. “Pegava o primeiro o horário, às 5h. No dia seguinte ao atentado, lá estava eu no Hospital Souza Aguiar, entre um monte de cobra criada, tentando descobrir o que havia acontecido“.

Repórter do jornal O Globo, onde vem publicando, neste ano, uma série de matérias sobre os 50 anos do golpe (dentre as quais uma revelação sobre a morte do ex-deputado Rubens Paiva), Chico Otávio também presenciou in loco o atentado no Riocentro. “Era jovem, fui para curtir o show”, lembrou. Quando a bomba explodiu, desatou a correr com a multidão: “Lembro bem de ver o corpo do sargento estirado. Foi algo que me marcou: era um misto de cheiro de explosivo com o odor da carne humana”.

Em 1999, quando o caso foi reaberto, o jornalista arrematou um Prêmio Esso com reportagens investigativas sobre o ocorrido. Em uma das matérias compostas pela série, o general Newton Cruz confirmou que a intenção do ataque, planejado por militares radicais, era conter o processo de redemocratização. Desde então, Chico Otávio não para de fuçar as minúcias do caso – e revelar novos segredos.

Juliana Dal Piva: "importante pesquisar
cada caso a fundo" | Foto: Ana Clara Campos
“Ainda é preciso descobrir muitas coisas sobre os crimes praticados durante a ditadura. É um período que necessita muitas investigações jornalísticas”, disse. Com Chico Otávio, Juliana Dal Piva bateu à porta do coronel Paulo Malhães, em junho de 2012, quando trabalhava com o colega em O Globo. Os dois ouviram relatos inéditos e escabrosos sobre o funcionamento da Casa de Tortura de Petrópolis.

“Foi um baita trabalho de convencimento fazer o Malhães (encontrado morto, recentemente) abrir a boca. Ele tinha orgulho do que fez. Acho que ele queria entrar na história”, arriscou Juliana, atualmente repórter do carioca O Dia. A jornalista frisou a importância de pesquisas prévias e detalhadas sobre o assunto antes de qualquer entrevista com gente envolvida nesse período histórico.

A mediadora Ana Baum, entre os palestrantes, dá depoimento
pessoal sobre o caso Riocentro | Foto: Ana Clara Campos
“Tão importante quanto bater à porta dos caras, é pesquisar os casos a fundo”, acrescentou ela, que se interessou pelo tema após um período de estudos na capital argentina. “Morei em Buenos Aires no momento em que havia o julgamento da ditadura. E percebi que, por lá, a memória histórica é tratada de forma bem diferente. Por lá, a história está visivelmente marcada nas ruas. Isso me encantou”, lembrou.

Se entre a papelada do Judiciário as investigações caminham a passos lentos, nas redações, o assunto não cessa de ganhar novos parágrafos. “Nos jornais, as pesquisas não morreram. A História nunca acaba em ponto final. Sempre temos mais a falar”, resumiu Chico.

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