domingo, 25 de maio de 2014

“Não podemos cair na armadilha de achar que o futebol é o ópio do povo”, afirma o sociólogo Maurício Murad, especialista em futebol

Um bola no gol também faz balançar as redes tortuosas da política. Na mesa "Política e Copa do Mundo: da conquista do Tri às manifestações de hoje", Maurício Murad, Afonsinho e Teixeira Heizer colocaram em campo a influência do futebol nos anos de chumbo

Por Thaís Cerqueira


Da esquerda para a direita, Maurício Murad, Sylvia Moretzsohn,
Afonsinho e Teixeira Heizer | Foto: Ana Clara Campos

Para o sociólogo Maurício Murad, futebol é muito mais do que um simples (para alguns, complexo) jogo. "Futebol é política, economia e relação humana". Na mesa "Política e Copa do Mundo: da conquista do Tri às manifestações de hoje", o acadêmico se juntou ao ex-jogador e colunista da Carta Capital Afonsinho e ao jornalista Teixeira Heizer para debater sobre as relações entre o esporte e a política da ditadura. A mediação ficou por conta da professora da UFF Sylvia Moretzsohn.

“Não podemos cair na armadilha de achar que o futebol é o ópio do povo”, acrescentou Murad, frisando a importância do futebol como parte da identidade cultural do país, além de uma inegável paixão nacional. "Aliás, é percebendo isso que os governantes historicamente o utilizam em suas campanhas em benefício próprio". A Copa de 1970 foi um exemplo disso, o governo usou uma paixão popular para tentar alienar, tirar as frustrações e questionamentos que a população tinha sobre diversas áreas no auge da ditadura do governo Médici.

Maurício Murad: futebol não é ópio do povo
Foto: Ana Clara Campos
Sobre as manifestações de junho do ano passado, no período da Copa das Confederações, que foi chamada de “Copa das Manifestações”, o sociólogo disse que foi o futebol que de certa forma desmascarou muito do que estava sendo feito em torno da preparação para a Copa do Mundo. Trabalhando para escrever alguns artigos para o jornal Lance, Murad foi às manifestações e relatou que a maioria das pessoas estava na luta contra as velhas mazelas brasileiras, e não contra a seleção.

O sociólogo afirmou ainda que nunca viu uma Copa em que as questões levantadas pela população fossem tão profundas e que isso é um mérito do futebol. Para ele, muitas vezes o país não faz esses questionamentos nem na política, nem na Justiça, e o futebol permitiu isso.

Sobre a fala de Murad, Sylvia Moretzsohn acrescentou que o capitalismo tende a transformar tudo em mercadoria, inclusive o futebol. Mas que essa tendência capitalista, de transformar o esporte em espetáculo não se concretiza completamente porque “de alguma forma nós criticamos essa lógica mercadológica, mesmo que essa crítica seja minoritária, como toda crítica por definição é”.  E ressaltou que essa é uma questão muito profunda, que necessita de muito mais do que um pensamento imediatista.

Comparando a época em que Afonsinho atuou, na década de 1970 e os dias atuais, Sylvia lembrou que “há uma diferença monumental no nível de exploração econômica e financeira, e tudo que passou a orientar os grandes eventos esportivos. No entanto ainda existe esse apelo cultural, por isso essas manifestações continuam sendo apropriadas pelo grande capital”.

Teixeira Heizer: experiência em cinco Copas do Mundo
Foto: Ana Clara Campos
O experiente jornalista Teixeira Heizer – que cobriu o segundo e o terceiro títulos mundiais da seleção brasileira, em 1962 e 1970, e as Copas de 1966, 1974, 1978, 1982 e 1998 – lembrou que o futebol é cheio de detalhes históricos e na maioria das vezes está ligado estreitamente com a política.

Para ele, o futebol não avançou naquele período porque os militares estavam no poder. A seleção brasileira venceu a Copa do México por competência e talento. A ditadura fez uso das copas para se divulgar e para ficar ligada afetivamente com o público, sobretudo nesta Copa que o Brasil venceu no México. Os militares se apossaram de certa forma também de músicas, como a de Miguel Gustavo, “Pra frente Brasil”.

O jornalista acrescentou que havia por parte do militarismo uma intervenção direta no terreno esportivo. Na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, uma das que Heizer cobriu, o comando era todo de militares. A delegação que foi para a Copa tinha vários tenentes como preparadores físicos, “havia uma tentativa de se militarizar também o esporte brasileiro”, completou.

Afonsinho foi obrigado a corta barba e
cabelo | Foto: Ana Clara Campos
O ex- jogador de futebol Afonsinho adotou uma postura combativa contra a ditadura, dentro de sua carreira e vida pessoal. Depois de ser impedido de treinar pela diretoria do Botafogo enquanto não retirasse a barba e os cabelos compridos, Afonsinho resolveu deixar o clube, mas teve a liberação do seu “passe” negada. Com isso, ele começou uma luta reivindicando o passe livre para os atletas, sendo um pioneiro na conquista desse direito. Mas garante que isso era algo natural para a juventude da época. “Se por um lado se aprofundavam as medidas de opressão, por outro lado também aumentava- se a necessidade de se opor a isso.”

Em relação à utilização do futebol para a divulgação do governo, Afonsinho lembrou que “todos os governos de uma forma ou de outra tentam se apropriar do que é mais popular, e não foi diferente com o Brasil”.

A mesa, bem como sua vida em campo, não foi o suficiente para tantos aplausos. Afonsinho foi cercado por admiradores de sua vida dentro e fora do gramado. Após a narração de seu gol, que todos ouviram com total atenção dentro do auditório Interartes, o ex- jogador foi cercado por alunos que queriam tirar fotos com ele ou apenas parabenizá-lo por sua carreira e história. 

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