Passado em foco: próximo Controversas relembra os 50 anos do golpe

Encontro que será realizado na UFF, em 19 e 20 de maio, traz nomes da área de comunicação para pensar o papel da imprensa durante os anos de chumbo

Exposição "Diários do golpe: a ditadura na primeira página" estreia dia 28 de abril na UFF

Capas de jornais representativas do período serão expostas na Biblioteca do Gragoatá

Relembrar é preciso: além do Controversas, outros encontros recordam os anos de ditadura

Exposições na Biblioteca do Gragoatá e no CCBB lançam nova luz ao tema

terça-feira, 27 de maio de 2014

“A História nunca acaba em ponto final”, resume Chico Otávio

A quarta mesa de debates do Controversas trouxe o repórter do Globo e os jornalistas Antero Luiz Martins Cunha e Juliana Dal Piva para falar sobre reportagens que abalaram os anos de chumbo

Por Gustavo Cunha

”O jornalismo é um trabalho calcado fundamentalmente em perseguir pessoas”, sentencia Antero Luiz Martins Cunha que, logo em seguida, emenda, corrigindo-se: “No bom sentido, é claro”. Ao lado dos repórteres Chico Otávio e Juliana Dal Piva, o jornalista relatou como fez uma das reportagens que abalaram a ditadura em 1981, sobre o atentado no Riocentro. O debate aconteceu na quarta mesa do Controversas, na UFF, em 20 de maio.

Chico Otávio: "Ainda é preciso descobrir
muita coisa" | Foto: Ana Clara Campos
“É papel do jornalista conferir se as múltiplas versões são compatíveis, duvidando sempre da informação oficial. Mas não podemos nos confundir com um policial”, opinou Antero Luiz, ganhador de um Prêmio Esso com a reportagem publicada à época no Estado de São Paulo. Presente no dia do atentado, o jornalista contou que, por falta de cuidado da perícia, conseguiu recolher a porta do carro onde os militares explodiram a bomba.

Antero Luiz: "culhões" em capa do
Estadão  | Foto: Ana Clara Campos
“Sou o responsável pela primeira vez em que os culhões de alguém saíram na primeira página do Estadão”, disse, num misto de humor e orgulho. “O laudo da perícia comprovava tudo o que os militares insistiam em negar: a genitália masculina do sargento morto estava dilacerada. Aquela era a prova de que a bomba havia estouradono colo dele”.

No embalo do relato de Antero, a mediadora da mesa Ana Baum, professora do Departamento de Comunicação da UFF, lembrou do período em que trabalhava como estagiária na extinta rádio JB. “Pegava o primeiro o horário, às 5h. No dia seguinte ao atentado, lá estava eu no Hospital Souza Aguiar, entre um monte de cobra criada, tentando descobrir o que havia acontecido“.

Repórter do jornal O Globo, onde vem publicando, neste ano, uma série de matérias sobre os 50 anos do golpe (dentre as quais uma revelação sobre a morte do ex-deputado Rubens Paiva), Chico Otávio também presenciou in loco o atentado no Riocentro. “Era jovem, fui para curtir o show”, lembrou. Quando a bomba explodiu, desatou a correr com a multidão: “Lembro bem de ver o corpo do sargento estirado. Foi algo que me marcou: era um misto de cheiro de explosivo com o odor da carne humana”.

Em 1999, quando o caso foi reaberto, o jornalista arrematou um Prêmio Esso com reportagens investigativas sobre o ocorrido. Em uma das matérias compostas pela série, o general Newton Cruz confirmou que a intenção do ataque, planejado por militares radicais, era conter o processo de redemocratização. Desde então, Chico Otávio não para de fuçar as minúcias do caso – e revelar novos segredos.

Juliana Dal Piva: "importante pesquisar
cada caso a fundo" | Foto: Ana Clara Campos
“Ainda é preciso descobrir muitas coisas sobre os crimes praticados durante a ditadura. É um período que necessita muitas investigações jornalísticas”, disse. Com Chico Otávio, Juliana Dal Piva bateu à porta do coronel Paulo Malhães, em junho de 2012, quando trabalhava com o colega em O Globo. Os dois ouviram relatos inéditos e escabrosos sobre o funcionamento da Casa de Tortura de Petrópolis.

“Foi um baita trabalho de convencimento fazer o Malhães (encontrado morto, recentemente) abrir a boca. Ele tinha orgulho do que fez. Acho que ele queria entrar na história”, arriscou Juliana, atualmente repórter do carioca O Dia. A jornalista frisou a importância de pesquisas prévias e detalhadas sobre o assunto antes de qualquer entrevista com gente envolvida nesse período histórico.

A mediadora Ana Baum, entre os palestrantes, dá depoimento
pessoal sobre o caso Riocentro | Foto: Ana Clara Campos
“Tão importante quanto bater à porta dos caras, é pesquisar os casos a fundo”, acrescentou ela, que se interessou pelo tema após um período de estudos na capital argentina. “Morei em Buenos Aires no momento em que havia o julgamento da ditadura. E percebi que, por lá, a memória histórica é tratada de forma bem diferente. Por lá, a história está visivelmente marcada nas ruas. Isso me encantou”, lembrou.

Se entre a papelada do Judiciário as investigações caminham a passos lentos, nas redações, o assunto não cessa de ganhar novos parágrafos. “Nos jornais, as pesquisas não morreram. A História nunca acaba em ponto final. Sempre temos mais a falar”, resumiu Chico.

Claudius: “Há uma oportunidade incrível para uma nova experiência jornalística”

Na segunda mesa de debates do Controversas, o cartunista Claudius Ceccon e os jornalistas Argemiro Ferreira e Milton Coelho da Graça recordaram os tempos de imprensa alternativa na ditadura

Por Gustavo Cunha

Episódios de um passado não muito distante se descortinaram no debate sobre o papel da imprensa alternativa na ditadura, que contou com a participação dos jornalistas Claudius Ceccon, Argemiro Ferreira e Milton Coelho da Graça. A segunda mesa do Controversas, no dia 19 de maio, trouxe depoimentos importantes de veteranos da profissão que enfrentaram a censura e a violência dos anos de chumbo. A mediação ficou por conta de Márcio Castilho, professor do Departamento de Comunicação da UFF.

O cartunista Claudius Ceccon relembrou histórias
do jornal O Pasquim | Foto: Bernardo Oliveira
Um dos fundadores do jornal O Pasquim, Claudius relembrou histórias envolvidas na publicação jornalística que utilizou o humor como forma de resistência política. Após uma passagem de três meses como colaborador pelo semanário, o cartunista se viu obrigado a aceitar o convite para integrar a equipe que reformularia o projeto gráfico do jornal, mesmo com o aviso de que “sobrava trabalho, mas faltava dinheiro”.

“As publicações alternativas foram fruto de contextos muito particulares. Imagine só: em plena sanção do AI-5, um grupo de malucos criou um jornal para satirizar os militares. É incrível que tenha durado tanto tempo”, recordou Claudius, frisando que a publicação alcançou a tiragem de surpreendentes 250 mil exemplares poucos meses após o lançamento.

Acima, Claudius Cecco dá depoimento
ao lado do mediador Márcio Castilho.
Abaixo, Argemiro Ferreira (à esquerda)
e Milton Coelho da Graça
Foto: Bernardo Oliveira
O ofício em jornais alternativos exigia, na maioria das vezes, manter-se em outro emprego. “Numa época, trabalhei no Globo só para ganhar dinheiro mesmo”, revelou Argemiro Ferreira, que atuou em Opinião, semanário de oposição ao regime, no qual permaneceu como redator-chefe de 1975 a 1978.

Entre os pesares da época, os jornalistas não perdiam o estímulo em continuar com as atividades nas publicações contra-hegemônicas. Ex-repórter das revistas Realidade e IstoÉ, Milton Coelho da Graça afrontou generais e delegados com os jornais clandestinos A Resistência e Notícias Censuradas. Chegou a ser preso no Doi Codi, na Tijuca, por 20 dias, mas afirmou que repetiria tudo com o mesmo afinco.

“Se houver outra ditadura no Brasil, o que não é algo tão difícil, lembrem: fazer jornal clandestino é muito mais saboroso do que fazer jornal alternativo”, declarou Milton. Sobre a atual instabilidade política no país, Claudius arriscou: “Há uma espaço e uma oportunidade incrível para se fazer uma nova experiência jornalística que responda ao que as ruas estão pedindo. Mas não será o ressuscitamento do Pasquim, até porque o contexto é outro”.

A opinião do público: repercussão do evento pelos corredores

A 8ª edição do Controversas: 50 anos do golpe e a Copa das manifestações foi um grande sucesso. Conversamos com palestrantes, participantes e colaboradores, que contaram suas impressões sobre o evento.

Por Janaína Medeiros


“Essa foi a melhor edição do Controversas até agora. É claro que isso faz parte de um processo, pois a cada novo evento as pessoas ficam mais engajadas e mais envolvidas. Ele é resultado de um trabalho em conjunto dos alunos de jornalismo e dos professores do departamento.”
Ildo Nascimento – Professor da UFF e palestrante da mesa jornalismo na ditadura

“O evento foi muito bacana. Pela primeira vez eu participei trabalhando, na cobertura para a webrádio Nas Ondas do IACS. O tema foi propício, porque é um assunto que está em alta, não porque a gente goste, mas porque é necessário discutir o passado para que ele não se repita.”
Sabryna Teixeira – Estudante de jornalismo da UFF

“O interessante do Controversas é que ele sempre se pauta em um assunto atual. Na época das manifestações, o tema foi abordado pelo evento, agora com os 50 anos do golpe, a escolha foi certeira, especialmente por esse ser um assunto que precisa ser constantemente debatido. Debater a ditadura na faculdade de jornalismo faz com que nós, jovens, não nos esqueçamos do passado.”
Isabella de Oliveira – Estudante de jornalismo na UFF

“O Controversas é um evento muito importante e eu estou muito feliz de poder cobri-lo para a Unitevê. Desde que entrei na faculdade acompanho o evento e esse foi o melhor que já presenciei. A presença de palestrantes de fora do jornalismo contribuiu para entendermos melhor o tema e só veio a acrescentar às discussões.”
Pedro Henrique – Estudante de jornalismo da UFF

“Trazer esse tema para a faculdade é essencial para nossa formação profissional. Com os 50 anos do golpe, a ditadura virou um assunto midiático, está sempre na capa do jornal. A aproximação dos profissionais da área, inclusive os que trabalhavam na época da ditadura, é muito enriquecedora.”
Luíza Calaça – Estudante de jornalismo da UFF

“Eu gosto muito do tema escolhido. A importância dele vai além das paredes da Universidade, porque a própria sociedade sabe muito pouco sobre isso. Os debates e discussões contribuem para que nós jovens possamos entender o que aconteceu nesse passado tão obscuro do nosso país.”
Wladimir Lênin – Estudante de jornalismo da UFF

“A edição deste ano está realmente muito especial. A exposição do professor Ildo Nascimento na Biblioteca Central do Gragoatá dialoga com o evento e traz à tona uma memória social que precisa ser constantemente relembrada. Ainda tem muita gente que acha que a ditadura militar foi uma época benéfica para o país, principalmente para a economia, por isso é importante discutir o que realmente aconteceu nesse período.”
Samantha Su – Estudante de jornalismo da UFF

“A organização do evento merece aplausos. O tema foi muito bem escolhido e eu saio da UFF com a melhor impressão possível do evento e da instituição.”
Teixeira Heizer – Jornalista e palestrante da mesa Política e Copa do Mundo


domingo, 25 de maio de 2014

“Não podemos cair na armadilha de achar que o futebol é o ópio do povo”, afirma o sociólogo Maurício Murad, especialista em futebol

Um bola no gol também faz balançar as redes tortuosas da política. Na mesa "Política e Copa do Mundo: da conquista do Tri às manifestações de hoje", Maurício Murad, Afonsinho e Teixeira Heizer colocaram em campo a influência do futebol nos anos de chumbo

Por Thaís Cerqueira


Da esquerda para a direita, Maurício Murad, Sylvia Moretzsohn,
Afonsinho e Teixeira Heizer | Foto: Ana Clara Campos

Para o sociólogo Maurício Murad, futebol é muito mais do que um simples (para alguns, complexo) jogo. "Futebol é política, economia e relação humana". Na mesa "Política e Copa do Mundo: da conquista do Tri às manifestações de hoje", o acadêmico se juntou ao ex-jogador e colunista da Carta Capital Afonsinho e ao jornalista Teixeira Heizer para debater sobre as relações entre o esporte e a política da ditadura. A mediação ficou por conta da professora da UFF Sylvia Moretzsohn.

“Não podemos cair na armadilha de achar que o futebol é o ópio do povo”, acrescentou Murad, frisando a importância do futebol como parte da identidade cultural do país, além de uma inegável paixão nacional. "Aliás, é percebendo isso que os governantes historicamente o utilizam em suas campanhas em benefício próprio". A Copa de 1970 foi um exemplo disso, o governo usou uma paixão popular para tentar alienar, tirar as frustrações e questionamentos que a população tinha sobre diversas áreas no auge da ditadura do governo Médici.

Maurício Murad: futebol não é ópio do povo
Foto: Ana Clara Campos
Sobre as manifestações de junho do ano passado, no período da Copa das Confederações, que foi chamada de “Copa das Manifestações”, o sociólogo disse que foi o futebol que de certa forma desmascarou muito do que estava sendo feito em torno da preparação para a Copa do Mundo. Trabalhando para escrever alguns artigos para o jornal Lance, Murad foi às manifestações e relatou que a maioria das pessoas estava na luta contra as velhas mazelas brasileiras, e não contra a seleção.

O sociólogo afirmou ainda que nunca viu uma Copa em que as questões levantadas pela população fossem tão profundas e que isso é um mérito do futebol. Para ele, muitas vezes o país não faz esses questionamentos nem na política, nem na Justiça, e o futebol permitiu isso.

Sobre a fala de Murad, Sylvia Moretzsohn acrescentou que o capitalismo tende a transformar tudo em mercadoria, inclusive o futebol. Mas que essa tendência capitalista, de transformar o esporte em espetáculo não se concretiza completamente porque “de alguma forma nós criticamos essa lógica mercadológica, mesmo que essa crítica seja minoritária, como toda crítica por definição é”.  E ressaltou que essa é uma questão muito profunda, que necessita de muito mais do que um pensamento imediatista.

Comparando a época em que Afonsinho atuou, na década de 1970 e os dias atuais, Sylvia lembrou que “há uma diferença monumental no nível de exploração econômica e financeira, e tudo que passou a orientar os grandes eventos esportivos. No entanto ainda existe esse apelo cultural, por isso essas manifestações continuam sendo apropriadas pelo grande capital”.

Teixeira Heizer: experiência em cinco Copas do Mundo
Foto: Ana Clara Campos
O experiente jornalista Teixeira Heizer – que cobriu o segundo e o terceiro títulos mundiais da seleção brasileira, em 1962 e 1970, e as Copas de 1966, 1974, 1978, 1982 e 1998 – lembrou que o futebol é cheio de detalhes históricos e na maioria das vezes está ligado estreitamente com a política.

Para ele, o futebol não avançou naquele período porque os militares estavam no poder. A seleção brasileira venceu a Copa do México por competência e talento. A ditadura fez uso das copas para se divulgar e para ficar ligada afetivamente com o público, sobretudo nesta Copa que o Brasil venceu no México. Os militares se apossaram de certa forma também de músicas, como a de Miguel Gustavo, “Pra frente Brasil”.

O jornalista acrescentou que havia por parte do militarismo uma intervenção direta no terreno esportivo. Na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, uma das que Heizer cobriu, o comando era todo de militares. A delegação que foi para a Copa tinha vários tenentes como preparadores físicos, “havia uma tentativa de se militarizar também o esporte brasileiro”, completou.

Afonsinho foi obrigado a corta barba e
cabelo | Foto: Ana Clara Campos
O ex- jogador de futebol Afonsinho adotou uma postura combativa contra a ditadura, dentro de sua carreira e vida pessoal. Depois de ser impedido de treinar pela diretoria do Botafogo enquanto não retirasse a barba e os cabelos compridos, Afonsinho resolveu deixar o clube, mas teve a liberação do seu “passe” negada. Com isso, ele começou uma luta reivindicando o passe livre para os atletas, sendo um pioneiro na conquista desse direito. Mas garante que isso era algo natural para a juventude da época. “Se por um lado se aprofundavam as medidas de opressão, por outro lado também aumentava- se a necessidade de se opor a isso.”

Em relação à utilização do futebol para a divulgação do governo, Afonsinho lembrou que “todos os governos de uma forma ou de outra tentam se apropriar do que é mais popular, e não foi diferente com o Brasil”.

A mesa, bem como sua vida em campo, não foi o suficiente para tantos aplausos. Afonsinho foi cercado por admiradores de sua vida dentro e fora do gramado. Após a narração de seu gol, que todos ouviram com total atenção dentro do auditório Interartes, o ex- jogador foi cercado por alunos que queriam tirar fotos com ele ou apenas parabenizá-lo por sua carreira e história. 

“A desinformação facilitou o golpe”, afirma Ildo Nascimento

A terceira mesa do Controversas contou com a presença do professor da UFF e  dos professores e jornalistas, Rosental Calmon Alves e João Batista de Abreu, que debateram sobre o jornalismo brasileiro durante a ditadura 

Por Thaís Cerqueira


Da esquerda para a direita, Dante Gastaldoni, João Batista,
Rosental Calmon Alves e Ildo Nascimento: jornalismo brasileiro
Foto: Ana Clara Campos

Ildo Nascimento deu início à fala com uma apresentação de slides, dando um contexto histórico sobre tipografia, linotipo e as antigas máquinas de composição de texto. Ainda na época do golpe de 1964, a estrutura necessária para se elaborar um jornal era bem mais complexa do que é atualmente, e por isso havia certo atraso na disseminação de informações. “A desinformação facilitou o golpe” disse o professor. O debate aconteceu na terceira mesa do Controversas, na UFF, em 19 de maio, com mediação de Dante Gastaldoni.

Ildo Nascimento apresentou série de slides sobre detalhes de
capas de jornais da época | Foto: Ana Clara Campos
Com diversas capas do jornal O Globo e do Jornal do Brasil, músicas, fotos e algumas animações que levaram o público presente aos risos, Ildo comentou detalhes da diagramação e a utilização de recursos gráficos da época.

O modo como Globo e o JB davam a mesma notícia eram bem diferentes. O Jornal do Brasil lançava mão de um projeto gráfico inteligente, utilizavam páginas temáticas, diagramação simples e funcional. Com essas estratégias, eles encontravam formas de protestar, driblar a censura e realçar o discurso contra a ditadura.

“Desde a faculdade meu sonho era trabalhar no JB”, lembrou Rosental Calmon Alves, no início de sua fala. Para ele, era admirável a forma como o jornal se posicionava, sempre testando os limites da censura. Alves trabalhou durante 23 anos no Jornal do Brasil, como repórter, redator, editor e diretor.
O jornalista lembrou que a censura no rádio e na televisão era ainda maior que no jornal impresso, pelo fato de esses meios dependerem de concessão governamental. Mesmo com a repressão muito dura, o JB passou muitas vezes pela censura. Os censores nem sempre notavam as mensagens de repúdio à ditadura incorporadas no diagrama do jornal.

"Nem todos resistiram", diz João Batista, sobre o problema
da autocensura de jornalistas | Foto: Ana Clara Campos
Como correspondente internacional, Rosental pôde ver como funcionava a censura em outros países governados por ditaduras, na América Latina. Ele trabalhou durante 11 anos em países como Argentina, Uruguai e Paraguai. Finalizando o discurso, lembrou que “o pior tipo de censura que vigorou no Brasil foi a autocensura”.

João Batista iniciou sua fala contando algumas de suas experiências pessoais e profissionais da época. O professor procurou, mostrar como era difícil exercer a profissão para os que queriam passar a verdade para a população. Pois, a maioria dos jornalistas tinha que publicar o que seus patrões queriam, com poucas exceções. Para ele, parte dos jornalistas tinha uma visão progressista: "Não dá para partir da ideia de que todos resistiram".

O professor lembrou que, em 1974, o governo proibiu a publicação de notícias sobre a crise de meningite que atingia todo território nacional. E que milhares de crianças poderiam ter sobrevivido ou não terem tido sequelas da doença, se o governo não tivesse sido irresponsável. “Quem acredita que vivemos uma ‘ditabranda’ omite esse e outros casos de falta de responsabilidade e civismo do governo da época”, finalizou.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Passado em foco: próximo Controversas relembra os 50 anos do golpe de 64

Encontro que será realizado na UFF, em 19 e 20 de maio, traz nomes do jornalismo, da história, do direito e do futebol para para pensar o papel da imprensa durante os anos de chumbo.

Por Thaís Cerqueira e Gustavo Cunha:

A oitava edição do Controversas tem como tema os “50 anos do golpe: o jornalismo durante a ditadura e a Copa das manifestações”. Em 19 e 20 de maio (veja programação completa aqui), no auditório InterArtes do IACS, na UFF, nomes das áreas de jornalismo, história, direito e do futebol se reunirão para pensar o papel desempenhado pela imprensa durante os anos de chumbo. E como sempre há resquícios do passado no presente, também serão postos em debate questões relativas ao atual – e (in)tenso – contexto político no Brasil, que servirá de palco para o mesmo espetáculo futebolístico visto, aqui, em 1970. Apesar de não vivermos numa ditadura, sabemos que práticas violentas e de tortura (ainda) persistem por todo o território entre o Oiapoque e o Chuí – não apenas pelos rincões do país, mas entre os becos de favelas e comunidades periféricas das grandes capitais, sedes da tão orgulhosa Copa do Mundo.  

Em entrevista recente, Wadih Damous, que estará no Controversas, frisou a importância de se lembrar, a todo o momento, as décadas de dor e sombra. "A juventude que não viveu a ditadura precisa conhecer bem o que aconteceu naquela época para que isso nunca mais se repita", disse. Presidente da Comissão Nacional da Verdade no Rio, o advogado vê com otimismo o avanço das pesquisas e trabalhos da organização: "Hoje, 47% da população brasileira exige punição aos torturadores e a revisão da Lei de Anistia. No início, esse número representava exatamente os que não apoiavam a punição. Existe uma conscientização forte das pessoas. Vejo o momento como promissor. O que se espera é justiça, pois o que aconteceu no passado continua a acontecer". 

Professora da UFF e organizadora do Controversas, Larissa Morais complementa a fala de Damous, reiterando a necessidade de lançar nova luz ao passado. "Resolvemos aproveitar as ‘descomemorações’ dos 50 anos do golpe de 1964 para oferecer aos nossos alunos mais elementos de aprendizado sobre esse evento, o período da ditadura e a ação da imprensa nessa fase nefasta da história do Brasil”, justificou. Sobre os convidados para compor as mesas de debate, Larissa lembrou: “Quisemos chamar pessoas com experiências diferentes sobre esse período. Temos estudiosos do tema, jornalistas e também pessoas que vivenciaram a repressão, então achamos que ofereceremos aos alunos um conjunto rico de memória sobre o período da ditadura.”


Saiba como participar: veja detalhes das mesas

O evento é gratuito e aberto aos alunos, professores e visitantes. Todos que comparecerem terão espaço para perguntas e comentários ao final de cada mesa. A intenção é incentivar o debate entre profissionais da área e estudantes. Para participar, é importante se inscrever antecipadamente pelo facebook ou através desse link. Também faremos inscrições presenciais no dia do evento. Enviaremos certificados de participação.

O primeiro dia do Controversas vai contar com três mesas de debates. No dia 19 de maio, de 16h30 às 18h, a primeira mesa, intitulada “Passado revisitado”, contará com a presença de Cid Benjamim,  jornalista e ex-militante da luta armada; Ivo Herzog,  presidente do Instituto Vladimir Herzog; do historiador Hugo Bellucco; e de Wadih Damous, da Comissão da Verdade. A mediação será de João Baptista de Abreu, professor associado do Departamento de Comunicação Social da UFF.

“A resistência da imprensa alternativa” será a segunda mesa desse mesmo dia, de 18h às 19h30. Contará com Argemiro Ferreira, jornalista e ex-integrante do jornal Opinião, Claudius, cartunista e ex-integrante de O Pasquim, e Milton Coelho da Graça, jornalista e ex-integrante do Clandestino. A mediação ficará com Márcio Castilho, professor da Comunicação Social da UFF.

Após o intervalo para o coffee break, teremos a terceira e última mesa do dia, de 20h às 21h30. “O jornalismo brasileiro durante a ditadura” será debatido pelo fotógrafo Evandro Teixeira, Ildo Nascimento, professor do Departamento de Comunicação Social da UFF, e João Baptista Abreu. A mesa será mediada por Dante Gastaldoni, também professor da UFF.

No dia 20 de maio, o evento começará com a mesa “Reportagens que abalaram a ditadura”, de 16h30 às 18h30, com Antero Luiz Martins Cunha, ex-repórter de O Estado de S. Paulo, Chico Otávio, repórter especial de O Globo, e a  repórter de O Dia , Juliana Dal Piva. A mediação será feita pela professora do Departamento de Comunicação da UFF, Ana Baumworcel.

O último debate, de 19h às 21h, será sobre “Política e Copa do Mundo: Da conquista do Tri às manifestações de hoje”, com Lúcio de Castro, historiador e jornalista, Teixeira Heizer, jornalista que cobriu a conquista do tricampeonato, e Afonsinho, ex-jogador e  colunista da Carta Capital, com mediação de  Sylvia Moretzsohn, professora de Comunicação da UFF.


Controversas também contará com exposição


A exposição “Diários do Golpe: a Ditadura na primeira página”, que terá início em 28 de abril, será levada  da Biblioteca Central do Gragoatá para o Controversas, no IACS. A mostra revê o período histórico através de 22 páginas de jornais publicados à época. Foram selecionadas 22 capas entre as cerca de 800 edições pesquisadas nas coleções de O GloboJornal do Brasil e Última Hora. Criado por Ildo Nascimento, Diários do Golpe  tem roteiro assinado por Vinícius Damazio, aluno de Jornalismo da UFF. Muito envolvido com o tema, ele não deixa de opinar: “A mostra não visa dar um ponto final para a história daquele período. Isso é para os livros, que estão no segundo andar da biblioteca e que também indicamos nos painéis. O objetivo da exposição é abrir portas para outros caminhos". Ildo complementa: “Queremos oferecer aos jovens uma visão ampla do que foram os anos de chumbo, mas também proporcionar às gerações que viveram a ditadura a possibilidade de recordar os fatos daquele período”. 


Exposição “Diários do Golpe: a Ditadura na primeira página” estreia dia 28 de abril na UFF

Como a ditadura militar foi retratada pelos principais jornais brasileiros, em suas primeiras páginas, ao longo dos seus 21 anos de existência? Qual seria a melhor síntese desses anos, que na imprensa combinaram adesão e resistência? Foi pensando nisso que o designer e professor da Comunicação Social da UFF Ildo Nascimento e o estudante de jornalismo Vinícius Damazio se debruçaram sobre mais de 800 edições impressas dos jornais O Globo, Jornal do Brasil e Última Hora para realizar a exposição “Diários do Golpe: a ditadura na primeira página”, que será aberta à visitação em 28 de abril, na Biblioteca Central da UFF, no campus do Gragoatá, em Niterói.
A pesquisa, coordenada pelo professor, consumiu mais de um ano de trabalho da dupla e tem roteiro assinado por Vinícius. Foram selecionadas 22 capas representativas do período de ditadura. “Queremos oferecer aos jovens uma visão ampla do que foram os anos de chumbo, mas também proporcionar às gerações que viveram a ditadura a possibilidade de recordar os fatos daquele período”, disse Ildo, que dá aulas no curso de Comunicação da UFF desde 1992.
Além de exibir as capas, em painéis de 1m x 0,5m, a exposição traz informações sobre a cultura e a política em cada ano de 1964 a 1985. Para facilitar a vida dos visitantes que quiserem se aprofundar no tema, os pesquisadores informaram a bibliografia consultada e o número de retirada das obras na biblioteca da UFF. 
“A mostra não visa dar um ponto final para a história daquele período. Isso é para os livros, que estão no segundo andar da biblioteca e que também indicamos nos painéis. O objetivo da exposição é abrir portas para outros caminhos”, complementa Vinícius, que está no sétimo período.
No primeiro dia do próximo Controversas (19/5), sobre os 50 anos do golpe de 1964, o professor Ildo Nascimento vai participar da mesa “O jornalismo brasileiro durante a ditadura”,  em companhia do também professor João Batista de Abreu e do fotojornalista Evandro Teixeira. No encontro, terá a oportunidade de falar sobre a pesquisa que gerou a exposição. 

Serviço
Exposição “Diários do golpe: a ditadura na primeira página”
De 28 de abril a 27 de junho na Biblioteca Central da UFF, no campus do Gragoatá